O perigo da compreensão errada dos dados do Censo 2022

Cecy Oliveira – jornalista. Editora da Revista Aguaonline.

Começam a aparecer análises baseadas nos dados do Censo de 2022 e fica evidente o risco da interpretação errônea das informações coletadas. É bom lembrar que os perguntadores e os respondedores – que são os protagonistas deste levantamento – carecem de formação adequada, especialmente no que se refere às questões relacionadas ao saneamento básico.

Será que sabem a diferenciação básica entre esgoto sanitário (ou cloacal) e esgoto pluvial para perguntar ou responder à indagação: sua casa conta com serviço de esgoto?

E nem é culpa deles, mas de quem formula este tipo de pergunta em busca de informações confiáveis.

Para a maioria das pessoas puxar a descarga do banheiro e os dejetos desaparecerem significa que a casa conta com o serviço de esgoto. Não importa se esse esgoto vai direto para o córrego que passa nos fundos ou para a rede pluvial, o que significa ir para a sarjeta e inundar a cidade com água contaminada quando chove muito.

Quando são comparados os dados gerais do Censo 2022 sobre saneamento com os que constam no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) – https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/saneamento/snis a diferença é gritante.

Pelos dados do recenseamento o Brasil vai muito bem. Tem água tratada para a quase totalidade da população, grande parte do esgoto e do lixo é coletado. A drenagem ficou meio esquecida embora a cada chuva mais forte a mídia seja inundada com manchetes sobre a invasão dos rios sobre cidades e casas. A culpa é sempre do rio ou da intensidade da chuva. Nunca da incúria de autoridades e da própria população que invadem as zonas de inundação e não respeitam as redes de drenagem. Estas além de receberem esgoto cloacal, dejetos e lixo são solenemente ignoradas (é claro que a maioria é ignorante no sentido exato da palavra: não sabem para que servem).

Dados como estes, coletados no Censo mostram conflito com a realidade:

  • Censo Demográfico mostra que 62,5% da população do Brasil morava em domicílios conectados à rede de coleta de esgoto em 2022. Esse índice era de 44,4% em 2000 e subiu para 52,8% em 2010.
  • Considerando quem vivia em domicílios com esgotamento por rede coletora ou fossa séptica, os valores foram de 59,2% em 2000, 64,5% em 2010 e 75,7% em 2022.
  • Entre 2010 e 2022, todas as unidades da federação (UFs) registraram aumento da proporção da população residindo em domicílios com coleta de esgoto e da proporção dos habitantes morando em domicílios com esgotamento por rede coletora ou fossa séptica.
  • Em 2022, 3.505 municípios brasileiros apresentavam menos da metade da população morando em domicílios com coleta de esgoto, enquanto em 2.386 municípios menos da metade dos habitantes residia em domicílios com esgotamento por rede coletora ou fossa séptica.
  • Em 2022, 97,8% da população tinham, no mínimo, um banheiro de uso exclusivo.

Os mapas publicados neste artigo mostram os dados mais corretos sobre a infraestrutura pois são baseados em formulários técnicos, preenchidos pelos operadores dos serviços de saneamento e deixam muito claro que há ainda um longo caminho a percorrer.

Houve muitos avanços, é preciso admitir. O Marco do Saneamento é um deles. O esgotamento sanitário e a drenagem urbana estão merecendo atenção.

Neste sentido é preciso elogiar a iniciativa de municípios, como o de Gravataí, no Rio Grande do Sul, com cerca de 250 mil habitantes, que está elaborando seu Plano Diretor de Drenagem – PDDrU Gravataí. Banhado por duas das mais importantes bacias hidrográficas da Região Metropolitana de Porto Alegre – a do Sinos e a do Gravataí – o município quer se tornar mais resiliente aos impactos de eventos extremos, como secas e enchentes, que têm assolado a população gaúcha nos últimos anos. E garantir que o rio que empresta o nome à cidade continue vivo e capaz de garantir o fornecimento de água para a subsistência, a agricultura e as demais atividades que sustentam a vida e o progresso.

E, em última análise, fazer o que a maioria das capitais e cidades importantes da Europa já fizeram: valorizar seus recursos hídricos, revitalizando-os e buscando uma convivência pacífica e proveitosa com seus mananciais hídricos, respeitando seus ciclos e as zonas de inundação, afastando e tratando os esgotos e o lixo, arborizando as margens, criando jardins de chuva e até ilhas de infiltração.

O Censo é um balizador importante e deve ser sempre atualizado e melhorado. Principalmente no que se refere ao saneamento básico. O SNIS é ainda o melhor indicador da verdadeira situação dos serviços de saneamento no país.

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